Afinal, apesar de todo o potencial, a indústria mineira moçambicana é a segunda menos competitiva para a atracção de investimentos. Saiba porquê e em que estado se encontra o mercado nacional em termos de desafios e pontos fortes, nesta entrevista concedida pelo presidente da Câmara de Minas de Moçambique, Geert Klok
A Câmara de Minas de Moçambique (CMM) foi fundada em 2011. E ficou sem funcionar por muitos anos, porque, segundo o respectivo presidente, Geert Klok, naquela altura, a indústria ainda era nova e não tinha massa crítica suficiente. No ano passado, graças ao apoio da Câmara de Comércio de Chemnitz, da Alemanha, e com fundos do Governo Federal alemão, a CMM acabou por ser relançada. Agora, tem escritório e secretariado e desenvolve programas à escala nacional. Uma das suas vocações é a transferência de conhecimento e boas práticas para o sector mineiro de pequena escala, em matérias ambientais e de direitos humanos – em particular, direitos das mulheres –, entre outros aspectos. Actualmente, a CMM já representa 88% da produção do sector informal e tem uma estrutura bem estabelecida, com um conselho de administração de sete membros, e é representada por cerca de 60 operadores, entre associações cooperativas até aos megaprojectos.
O sector mineiro é bastante complexo, mexe com muitos aspectos da sociedade, da economia e da política. Qual é, hoje, o grande desafio deste sector?
Existe um tipo de pesquisa semelhante ao Doing Business do Banco Mundial (que avalia o ambiente de negócios), mas direccionado para o sector mineiro e realizado pelo Fraser Institute, do Canadá. De acordo com o relatório desta instituição, de 2022, Moçambique ocupa o penúltimo lugar no índice de atractividade de investimentos no sector mineiro. Pior, só o Zimbábue. A atractividade dos países tem duas componentes: os próprios minerais, que estão no subsolo, e a política. Moçambique tem muito potencial de minérios, mas, mesmo assim, está mal classificado porque tem um mau desempenho nos parâmetros de política e ambiente de negócios. O Botsuana, pelo contrário, está no top 10 mundial. Os investidores, quando olham para a pesquisa, reparam, por exemplo, na estabilidade do País não só em termos de conflitos, mas também em termos de legislação. O investidor quer assegurar que não haverá mudanças nas regras do jogo depois já ter investido o seu capital.
No caso da classificação de Moçambique, não terá que ver com a falta de segurança no Norte? Que outros factores podem estar a influenciar esta posição desfavorável?
Claro que a falta de segurança também tem impacto, e as circunstâncias em Cabo Delgado são uma preocupação. No ano passado, a situação foi péssima, porque a insurgência espalhou-se por toda a província e afectou as operações, com relatos de empresas mineiras que sofreram ataques. Este ano está muito melhor, mas a preocupação é saber se esta estabilidade poderá durar, mesmo depois de as tropas estrangeiras regressarem aos seus países, porque sabemos que não estarão aqui para sempre.
O risco é que se não estivermos preparados, enquanto País, voltaremos à instabilidade. Cabo Delgado é uma das províncias com mais actividade mineira. Tem empresas de extracção de grafite e rubis. Temos membros, lá, que continuam preocupados com a situação da segurança.
Sente dificuldade também em relação à estabilidade da legislação?
Um dos maiores exemplos da nossa preocupação é a introdução recente das novas taxas no cadastro mineiro. Algumas são taxas para tramitação de pedidos, renovações e transferências de licenças. Parte dessas taxas aumentou mil vezes, estando agora entre as mais altas da região. Foram feitos aumentos sem consultar a indústria. Ficou mais caro, por exemplo, admitir um novo sócio numa empresa, porque tal passou a ser considerado como uma transferência da licença ou venda de uma participação. Mesmo que abranja apenas 1% da empresa que detém a licença, tal é considerado como transferência e está sujeito a taxas altíssimas. E isso não ajuda. Outro exemplo é o do imposto da produção mineira. É que a discussão sobre os preços de referência só tem impacto no imposto de produção mineira e as empresas estão a pagá-lo mesmo sem vender. Basta extrair o minério e este imposto é cobrado.
Ou seja, tomaram-se decisões que afectam a indústria sem a consultar? Que implicações esta situação tem nas vossas operações?
O que acontece é que muitos minerais não estão nas bolsas de valores, com um preço que seja público e que se possa consultar. Existem bolsas de matérias-primas em que os preços podem ser consultados, mas muitos minerais não estão lá. Por exemplo, a grafite e os minerais de areias pesadas não são cotados em bolsa. Aí, entra a discussão em que o Governo diz que os preços que estamos a usar para o cálculo do imposto (que é um percentual sobre a produção e o preço de venda) não são reais. Por isso, introduziu este diploma, que não foi bem divulgado. Simplesmente, publicaram-no e entrou logo em vigor (em Junho deste ano). Houve uma grande falta de comunicação sobre este diploma de preço de referência. Não houve nenhum período de transição para o divulgar, nem em Maputo, muito menos nas províncias.
Então, quais as implicações disso? O que vai acontecer de agora em diante?
Por exemplo, se o preço de uma tonelada de grafite está nos 600 dólares, mas os preços de referência indicam 900, significa que o imposto de produção mineira que as empresas estão a pagar aumentou quase em 50%. E nem temos, formalmente, um mecanismo para reclamar ou contestar.
Quais são os minérios que sofreram com esta alteração? O carvão faz parte?
Acredito que o carvão é mais transparente. Não é a minha área, mas tem preços públicos e mais informação disponível. Pelo contrário, nos minerais de areias pesadas e grafite não existem estes preços públicos. O assunto é complexo e, na minha opinião, teria sido necessário trabalhar mais com a indústria para entender essa complexidade. Mas esta nem sequer recebeu um esboço do diploma para fazer comentários. O grande desafio é, primeiro, dizer que nós, como Câmara, já estamos de pé e em força. Somos o parceiro certo para o Governo, para representar e apoiar a indústria, uma vez que conhecemos a prática e a realidade e podemos dar esse impulso.
E que impacto é que esta mudança teve nas empresas até agora? O que é que os associados reportam?
Reportam dificuldades de exportação. De repente, a papelada que tínhamos de apresentar aumentou, porque é preciso provar que o que está a ser exportado corresponde ao que é declarado. Isto causou muita confusão, porque ninguém estava preparado. Causou transtornos na exportação e aumentou muito os custos.
Qual deveria ser o caminho a seguir?
Neste assunto específico, estamos a fazer um inventário dos problemas que as empresas estão a encontrar para o partilhar com a autoridade tributária, detalhar os pontos e fazer recomendações. Em geral, acho que é importante envolver a indústria, já na fase de elaboração da legislação, o mais cedo possível, e partilhar as propostas de legislação. Por exemplo, temos uma discussão, agora, muito relevante para a indústria, que é sobre a política de industrialização do País.
“Em geral, a indústria tem todo o interesse em aumentar o conteúdo local, para ter os fornecedores por perto. Actualmente, muitos produtos e equipamentos vêm de fora”, Geert Klok
A sustentabilidade passou a ser a palavra de ordem dos últimos tempos. Nesta corrida para o carbono zero até 2050, o sector extractivo, pela sua natureza, será um dos mais afectados. Estamos preparados para lidar com as limitações que daqui podem advir?
Há várias componentes a analisar, porque cada país tem o seu padrão. Cabe ao Governo definir os padrões de Moçambique. Por exemplo, ainda não temos carros eléctricos. E o País não é pioneiro na introdução destes veículos, tendo em conta que todo este equipamento precisa de manutenção e de peças. Fica difícil uma transição enquanto não houver nada neste ramo. Outra parte da questão é que a transição energética requer muito mais minerais críticos, que devem
aumentar exponencialmente. Outro ponto estratégico que vemos na Europa e nos EUA é a importância de diversificar as fontes de matérias-primas para a indústria e para a transição energética. Estão à procura de outras fontes e introduziram uma nova legislação neste ramo. Este é que deve ser o caminho.
Não há uma lei de conteúdo local ainda em Moçambique. Como podem funcionar as parcerias com empresas moçambicanas, mesmo não havendo um dispositivo que as obrigue a fazer isso?
Em geral, a indústria tem todo o interesse em ter e aumentar o conteúdo local, para ter os fornecedores por perto. Muitos produtos, equipamentos, peças e consumíveis, neste momento, vêm de fora e isso é complicado, porque acarreta custos e demoras. Para a indústria, seria uma mais-valia ter estes fornecedores de produtos e serviços por perto. É uma das formas mais viáveis para industrializar o País, porque as indústrias mineiras já estão implantadas.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & IstockPhoto