Em Moçambique, as Pequenas e Médias Empresas (PME) representam o maior número das unidades económicas existentes, com mais de 95% do universo de empresas legalmente registadas. Ainda assim, o seu contributo em termos de Produto Interno Bruto (PIB) e emprego é ainda relativamente baixo.
Contribuidoras com 28% do PIB e 42% no emprego formal, as PME enfrentam desafios a nível do ambiente de negócios, acesso a mercados, acesso a financiamentos e coordenação dos mecanismos de apoio.
Estes problemas foram mais visíveis nos últimos anos, com o surgimento da pandemia do covid-19, dos sucessivos eventos climáticos extremos (ciclones e inundações), com o conflito na Ucrânia e o terrorismo que afecta a província de Cabo Delgado, desde 2017.
Ao DE, em entrevista exclusiva, o presidente da Associação das Pequenas e Médias Empresas de Moçambique (APME), Feito Tudo João Male, faz uma retrospectiva sobre o cenário a que se assiste no mercado nacional nos últimos anos.
Como é que a subida da inflação e as perspectivas de agravamento estão a ser concebidas pelas PME?
A inflação está dentro da previsão da política fiscal e é influenciada pelos acontecimentos a nível mundial, o que origina a elevação do custo de vida e escassez dos produtos. Infelizmente somos todos afectados.
Uma das formas de tentar minimizar os seus efeitos é criar internamente uma maior consolidação fiscal e maior competitividade do sector privado. Por exemplo, no último ano, as PME foram responsáveis por 48% das receitas fiscais e entendemos que ainda fazem pouco.
O País precisa de outras medidas de ajustamento estrutural a nível da administração fiscal e da despesa pública para amortizar o efeito da inflação de produtos importados e do câmbio.
Precisamos de investir mais na produtividade, na interligação das províncias e na promoção dos ecossistemas empreendedores. Falta uma maior clareza e estratégia política sobre como seguir as directrizes que certos instrumentos legais preconizam.
E existem ainda questões do conteúdo local e da certificação das PME. Se apostarmos nestas componentes, de certeza que teremos um ambiente de negócios mais inclusivo com capacidade de contribuir para a redução da inflação e do desenvolvimento do País.
Como está a questão da ligação das PME com os grandes projectos no quadro do conteúdo local?
As Pequenas e Médias Empresas ainda enfrentam grandes dificuldades de inserção nos megaprojectos. O primeiro grande obstáculo, segundo dados reais, está no quadro legal que não clarifica com exactidão e não demonstra soluções. Precisamos de apostar mais na formação e difusão de informação, para que mais PME tenham oportunidade de prestar serviços a esses projectos.
O Governo tem feito o que pode, mas seria melhor que se realizasse um estudo mais profundo em cada área onde estão implantados os projectos, para garantir que mais empresas nacionais sejam contratadas dentro das políticas certas.
Há ainda muito que a fazer, desde o investimento na formação técnico-profissional, este que é visto como um pressuposto de qualidade. Achamos que deve haver uma melhoria dos conceitos e mais inclusão para que as PME não passem despercebidas.
Muitas grandes empresas têm reclamado da falta de acesso ao financiamento para o seu sustento no mercado. Qual é a posição das PME?
O financiamento continua a ser um grande entrave, que impede o crescimento sustentável das PME. Actualmente não existem soluções financeiras ajustadas ao perfil das Pequenas e Médias Empresas nacionais, devido ao elevado custo que “sufoca” a capacidade de endividamento.
Não temos bancos de desenvolvimento nem de investimento, as soluções existentes bem como os requisitos praticados pelos bancos comerciais acabam por excluir liminarmente as PME.
Há vários instrumentos de apoio às PME que têm vindo a implementados quer pelo Governo, quer por instituições multilaterais e outras. Qual é o impacto?
Existem muitas iniciativas, de facto. No entanto, algumas estão um pouco desenquadradas, ou seja, não espelham a actual realidade social.
Precisamos de programas mais dinâmicos e abrangentes, alinhados com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com a agenda da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e com a agenda nacional.
É importante conciliar as ideias para que o impacto seja positivo e, enquanto pequenos empresários, precisamos de mais assistência e engajamento.
A digitalização assumiu um papel indispensável na vida das pessoas ao nível mundial e, nos últimos tempos, o País tem estado a apostar no processo de digitalização da economia. Qual é a avaliação que se pode fazer?
A digitalização é de grande valia para o acesso ao mercado, bem como para a internacionalização das marcas e dos produtos. Estamos perante uma modalidade que pode aproximar as PME, e as acções em curso são bem-vindas.
O mundo dos negócios está muito competitivo, e em Moçambique a digitalização da economia está a um ritmo relativamente lento, ou por outra, ainda não conseguimos interligar as instituições e reduzir a falta de informação.
As decisões do Banco de Moçambique sobre as taxas directoras são frequentemente contestadas pelo sector privado. Que comentário lhe merece?
O banco central tem a sua soberania sobre a política macroeconómica e desempenha o seu papel no planeamento da meta inflacionária. As medidas são tomadas com o objectivo de controlar a massa monetária em circulação, garantindo liquidez à economia sem exceder a demanda real.
Essas decisões colocam inúmeros desafios aos bancos e às empresas, prejudicando as metas de inclusão financeira que já foram traçadas, tal como trazem consequências para o sistema financeiro.
Como sector privado, precisamos de políticas favoráveis, que partem desde a criação de um banco de desenvolvimento e de investimento para as PME, e uma política monetária mais favorável que traga retornos e seja aberta ao financiamento.
No dia 9 de Agosto, assinalou-se um ano, após o lançamento do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE). Qual é a avaliação, que ganhos trouxe e quais são os desafios?
De facto, o balanço é positivo. O pacote foi tornado público num momento muito oportuno para o sector privado que se sentia sufocado. As medidas já aprovadas, algumas em vigor, estão a aliviar a pressão sobre as empresas e a tornar o ambiente de negócios mais apetecível para os investidores.
Contudo, deve haver mais engajamento entre os sectores a todos os níveis para que todos obtenham ganhos e ninguém saia lesado. Devemos intensificar a fiscalização e acelerar o cumprimento de outras medidas em falta.
Quais são as perspectivas da associação para os próximos cinco anos?
Não vislumbramos um ambiente muito animador para os próximos anos, mas iremos investir mais na sincronização das PME, bem como aprofundar as iniciativas e procurar fazer parte das agendas internacionais e nacionais como forma de criar mais oportunidades de negócio.
Quais são os projectos que estão a ser desenhados pela entidade para colmatar alguns constrangimentos?
Por enquanto temos o projecto de constituição de um microbanco para as PME. Neste momento estamos a trabalhar no processo de expansão da rede de associados, através da montagem de delegações distritais para catapultar e impactar as pequenas empresas desde a base.
Temos também o projecto de realização de feiras regionais antecedido de uma conferência nacional virada para as PME.
Quantas empresas estão associadas e qual é o sector mais representado?
Até agora temos mais de 1200 empresas registadas a nível nacional e o sector mais predominante é o de prestação de serviços e comércio.
Texto Cleusia Chirindza • Fotos Mariano Silva